25.10.08

musa? musa!

Dá-me, musa terna, erecção que dure
a narração, nesta interneta, do episódio
mais insólito do mundo: eis-me eu próprio
nascido minotouro, bulindo em labirintos,
faminto por um osso, descoroçoado, meu deus.
O odor fétido da secular merda, o tempo
que me resta à procura do espelho, lerda musa,
não os quero; pois já te vestes, fora a madrugada,
impinges-me chinesices e desapareces
bela como sempre, puta, como o milho,
ainda a tempo de servires um tropa ou dois.
Amo-te os modos de recusa, impossível ter-te
como um cão fiel; assim fico na cama, talvez fumando,
absorto, o incêndio habitual das parangonas
vespertinas; talvez tenhas fodido o jornalista,
talvez Platão paire sobre a praça e sobre as pombas
a morte se dedique finalmente aos anjos.
De resto, não mudo a tromba feia ao verso
por tua culpa, ó, cúmulo da literatura.

24.10.08

Não mudes depois da morte

Não mudes depois da morte, não cantes
a morte ainda em vida, quero ter os anos
verdes da tua pele, o cinzel e as tintas
enclausuradas nos teus olhos, nas mãos
que me pertencem, os teus olhos vivos

Azuis anos de pedra, o poder infinito da cal
entre os dedos escorrendo para a gruta
Se eu vivesse na garganta do oceano,
se eu vivesse nas tábuas, nas dobradiças
e no lençol dourado, tu virias para mim; tu virias?

A morte, não mudes depois da morte
Muitos se entregaram a tentações inúteis,
a insensíveis estados e, no ar, se evolaram,
na névoa, na multidão do centro comercial
e desceram, por seu pé, mar adentro

22.10.08

Sex and cookies

Não é poético o teu sangue no pavimento,
a linha branca em redor do corpo. Um crime
violou a página, bastará olhar de frente
a face das tuas margens, o papel arbitral,
para acreditar que esgotámos as munições
ao primeiro vento. Já putrefaço
máximas orgânicas na vil ecologia dos ricos,
mino pela cintura a energia trôpega dos usos,
amputo a velocidade quadrada da necessidade.
Tornar-me-ei a montanha que hás-de escalar,
o oráculo falso, o íntimo abismo de cada um.
Na cabeça ruminam nuvens a filosofia do nu,
arrastam uma cara de maus atletas, inclinam-me
ao cicio de um esquartejo, o vício de organizar,
em gelo, órgão por órgão, o produto da solidão.
É mais poética a crise indumentária, o aqueduto
que transporta o líquido das glândulas pineais.