21.11.08

Não tenho pressa de cegar em banho-maria
caído entre dois cais. A tosse ainda ecoa
nos pântanos afamados da mouraria, bentos
mutantes alisam as perucas e, membro a membro,
evocam as esquinas onde se sentam sicranos
agarrados ao dó. Este chegou ao crisma já tarde
e agora povoa o imaginário das emendas clandestinas.
Os barcos passam sobre mim numa toada impante,
velhos colhereiros bicam o pescoço ao vento
na madrugada que temos; ano bissexto, bichado,
respiro da maneira mais oficial que me obrigam.
A chuva dorme sob os ossos. A pátria de um animal ferido,
bem sabes, é o beiral de qualquer braço,
o conforto prático dos lugares menos inóspitos.
Dedos que despenho no trânsito hesitante,
frio que oblitero como um alicate de orelhas,
nem, por mor de mágoa, deixo a saudade entrar.
Dessem-me uma cintura de asteróides, meteoritos,
para abrigar os rios mais pobres, o olhar baço das nuvens
perdido no sangue térmico dos impérios.
E entre os arquipélagos, duas escunas. A placidez
de uma vela sob a alçada azul de um suspiro
e a tinta caindo tempestuosa sobre as páginas.
Dessem-me a ler mais um livro obrigatório nas escolas,
pegaria o touro pela fala, e pelos sedimentos,
enfim, pudesse ter um corpo de ervas e barlavento
soprado como o delíquio de um dente-de-leão.
Nesta pífia primavera deito-me ao fim do turno
longe do tempo visível. O cansaço descansado da morte
transporta ferramentas lívidas. Ainda um destes dias
me bate à porta. Mas é tão difícil dar sem esperar retribuição.