8.5.09

Dá-me para escrever, sabes, ao ouvido
do sol e dos velhos rituais do mar. Ir e vir
pelas ruas numa tarde quente em que o medo
está atento à televisão. Lavam-me as pálpebras e a língua
de paquiderme insípido, a luz, o movimento,
o movimento célere do dia, a inatingível vida.

Conto-te a minha história e chego ao fim
antes de morrer. Pareço-te agitado mas é a luz que toca
o meu pior perfil, e abstracta, me infunde lividez,
capaz de gestos difíceis de entender.
Alguém grita entre tantas pernas ignorantes:
o que tens a declarar? Em que lado te colocas?

São a granel as palavras, falso peso de areia
as encarece na terça-feira de cruz. Se as pago
ao adelo, devo utilizar mercadorias tão fungíveis?
Se me viciam devo magoar-me em pedras e fumo?
Antes pedir pelas ruas, mostrar todas as feridas,
fiel ao pôr-do-sol e livre como as doenças.

6.5.09

Está-se a acabar o vento. Ardem-me os olhos.
É a doce lixívia do pano, a cidade que não dormia
e onde desaguei, de carro, sem poder regressar.
Mãos ignotas, olhos fúnebres, me alcançaram,
iluminaram-me a velha cabeça de marujo
sempre à procura de corpo, subtil corpo de pó,
mas eu fugia da esgrima das estrelas
e fui-me albergar onde nasceu um pássaro,
nos palcos interiores da fofa nostalgia.
Meu caro espectador, árbitro do signo,
se é o sexo exposto, a floração intensa,
que perscrutas, ajuda-me a lutar contra ti.
Quebro os meus braços de ferro, caminho
ao teu encontro, se fores pessoa de fé,
ou fé em forma de brisa despenteando-me.