2.2.11

Perder tempo na cave escura de uma palavra,
soletrar enigmas como suor repelindo a pele,
repetir, à exaustão, o verso mais impuro.
Letras de amor, queimaduras,
à medida que sobe a roda insípida do tempo,
que fazer do corpo para que respire
essa pedra intensa, essa brasa ácida,
derradeiro estudo,
até que o teu olhar seja pele de toque
e a tua radiografia seja onde arrumo
toda a roupa leve com que sinto frio
e todo o vidro sujo que me cinge o úmero?

1.2.11

Pássaro azul

O estrume da terra sob ervas recém-nascidas
desperta o oxigénio dos lábios. Um rumor de lenha,
lágrimas de uma manhã sobressalente,
instigam a olhar o azul celeste de um risco.

31.1.11

A fome trabalha a cada instante,
quem tem fome merece todos os camiões.
Um vaso de urze e geleia posto sobre a mesa
onde aos cinco anos aguardava, porta entreaberta,
por umas calças de cinza que urdiam razões.
Os barcos vinham nadar a cada verão,
nascia uma sereia nos bancos de areia
cada vez que disparavam os pratos para o rio.
A fome é uma dor cinzenta, um estranho
apetite por sulcos abertos no sangue da fruta.
Depois da ceia o padre ardia em redor dos plátanos,
saltava o alecrim sobre os sumos e a fada dos dentes
era, como diziam, a origem de uma economia inexpugnável.
Mais tarde, como veríamos, haveria fome. Fome completa
e impossível de aplacar. Foi assim ficar adulto,
um estômago vazio.