28.12.11

Caminhei vinte quilómetros sem destino.
À medida que me afastava afastavam-se também céu
e sol. Como duas crianças.

O delírio do abandono é uma espécie de sono
que fala alto. Nunca gostei de falar sozinho.
Ou de amar em vão.

Os desertos e as cidades não têm um tempo
específico. Por isso os fantasmas habitam
areia e telhados. Madeira não.

Um ser humano em ruínas chegou-se ao precipício.
Vou construir uma morte, pensou. Que importância
tem, afinal, a vida cínica?

Em cada espírito há uma capacidade de ouvir
o rio distante da vida. Cosmopolitismos à parte,
também acho surreal a companhia dos pássaros.

No fim do trajecto vieram levar-me em ombros
para o pedestal. Não sou eu quem querem, gritei.
Mas em vão. O ácido aroma do alcatrão já fervia.

Na pele do vidro revi as rugas e a leitura da idade
aproximou-me da terra. Este coração já vai tarde
beijar o sumo da claridade.

Agora sou um cadáver seguro, uma frota de vermes
que enxameia o solstício. Eu que vivi a sede inteira
não me aproximo da água.

Vi o sangue nos estendais e a roupa sem braços.
Vi a esperança perdida como um barco sem remos,
Vi duas vozes quando era pequeno.

A lua amputou o desejo. Os gatos são como os homens:
fazem demasiado barulho. Fogem e só voltam
com sangue nas patas, a querer ser perdoados.

Em que animal transviado me tornei? Nas palavras
de um filho, o pai é sempre um urso. Ele, uma serpente
sábia com o poder do desconhecimento.

Este é o tempo de prestar contas. Tudo o que devo
devo-o à terra e à acidez da terra. Por isso que me enterrem
as palavras. Empestei todas as canetas.