27.9.13




Black Sun

Sentia-me felizardo pela melancolia quente da tarde,
supunha que seria assim que deus se maquilhava
à frente do espelho magistral do mundo. Os campos,
atravessados pela música lisa dos insetos, vibravam
como se um deus térreo estivesse ligado à rede elétrica.
Era a disciplina vegetal que me chamava a eles,
consciente da inconstância dos elementos, mas não parecia
que o planeta viajasse a velocidades tão alucinantes.
Pensava na última vez que planara nos teus olhos
um lampejo de doçura. Teria sido há mil anos, ainda
o povo e o clero andavam de mãos dadas, manietados
pela doença e na eternidade. Esse fogo lento onde me queimei
desceu à minha solidão para me proporcionar tristezas.
No entanto, a tarde mencionada era total, furibunda,
esmagadora. E no céu, de súbito, surgiu um sol enegrecido
que me lançou à terra. Algum pequeno deus indignado
querendo regressar apodreceu o azul. Nunca faças conversa
com um deus convencido que deve ser amado.

26.9.13



Entreguei-me a ti pelo prazer de desconhecer
quem nos quer de um modo ou de outro
do lado de cá. Os assuntos caducaram
nas agendas e das lapiseiras azuis
soprou um nevoeiro recôndito, estranho, incompleto.
É o costume que regressa ao âmago das cidades,
a natureza que desbrava as ruas negras
com suas mãos conspícuas e inolvidáveis.
Tu eras uma espécie de cansaço e o lugar
onde o repouso fazia mais sentido. Eras
o sol e o seu avesso, a coca-cola lenta
da manhã das ressacas bestiais, o armário
desarrumado pelo vento de muitos dias.
Deste-me então o protesto, hoje não sei outra forma
de rezar contra a amargura, deste-me
uma coisa divina para usar em todos os silêncios.
Para mim tu eras a vida, o recreio
alegre do infantário de fora do qual eu sonhava
ser a criança adulta magoada nos nós dos dedos.
E olha, ainda me dói o futuro do passado,
esse tempo verbal que tu não me vais deixar aprender.