27.9.12



A caixa tem olhos azuis mas o rapaz que lhe tinha
todo o amor do mundo morreu há pouco tempo.
Faz hoje trinta anos que os seus pais olharam
para o futuro e viram um ponto branco, uma sombra,
talvez, muito desfocado, um rosto. Mais tarde,
na cama do hospital, ele e ela deitados choraram
e  viram que a espuma dos dias lhes sabia a açúcar.
Os pássaros gritam ao redor, corvos e melros povoam
a tristeza, reclamam lugares decentes. Vão para norte
como emigrantes desgrenhados para longe do iva
e da doença. A sua odisseia é um canal televisivo em 2012,
o rio apenas uma lágrima de sede. Falo com a caixa
todas as tardes. Diz não recear o dia de amanhã
por causa de Ricardo Reis. Partilhamos o lanche.
Olho-a de lado, de frente, faço que sim, com a cabeça.