23.11.19


Encontro-me com o ar frio da noite
junto à escola primária onde fumei
o primeiro ensinamento. À memória
vem pulsar o tempo das algibeiras,
o recreio dramático, encenado de improviso,
e a grande frustração de ser pequeno.
Aqui, hoje, mirando o edifício,
que medo me sentiu dentro do estômago
solene das reguadas? Punição
que sempre lamentei ter-me extinguido.
Revejo os corações postos de parte,
contra a parede, os rufias das gáveas
que haviam de abandonar mais cedo o barco.
E a fúria incompetente em sobressalto.
A professora espúria menos humana
que atacava o alfabeto fraco e sonolento,
os rios e os continentes até ao trauma
que construiu em mim um desistente.
As nódoas negras das crianças como países,
de mão estendida não para cumprimentos,
mas para descarregar o lastro. 
Uma espécie de trabalho, a violência.
Aos ossos brancos que hoje lhe escorregam,
eu digo: lamento ter vivido
na infância. Perdoo-lhe, não lhe perdoo,
o incumprimento.