13.10.08

Abóbora

Vejo ao espelho o invisível alumínio do medo,
aspiro o pó do coração. Por detrás de mim,
uma luz caduca leva-me ao sangue arrepios de febre,
a fome anormal do doente em convalescença,
o quadrado amargo de terra sob a cruz.
A noite ensinou-me a ouvir o ritmo da madeira.
Húmidos órgãos esses que em abstractos eternos minutos
acendem a escuridão por um vómito e alguma cegueira.
Furibundo, decidi nascer para as árvores, despi o teor limpo
de algumas palavras e afoguei-me nos ares como quem voa
na impulsão de ficções e de criaturas reais. Levei
esta carcaça miúda, porta em porta, inverosímil
espectro escuro, e procurei por ti. Tu eras o pior da tua rua.
Por tua causa todos morrêramos despenhados no sol.
Impossível sobreviver ou reatar laços, prédicas,
a nossa amiga violência de subúrbio. Vi-te apagar
do mapa um personagem amarelo de vida. Gostava, como te disse,
de mandar no mar e ter uma guarda de tritões. Toda a rua
seria nossa e as mãos haviam de parecer seguras.

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