13.10.08

Vida dupla

É lento o mar neste paredão impresso.
As guitarras navegam longe com os mastros
apodrecidos, ao compasso das ondas
as cordas raquíticas desafinam. É feia a praia em que acosto.
Nunca estive certo de nada, a verdade mais séria
voou pela janela quando me desmascararam.
Tossi esmeraldas aos pés de sicrano, incendiei
as casas de pássaros em viagem, ainda pugno
por lugares de alguma paz. Minha caligrafia nocturna,
distorção do silêncio, penitencio-me ao pólen,
intento contra o vento ao estender os braços
ao inefável istmo do frio, submerjo sem flor.
Semeio no corpo a fonte das pedras, cárie
aguda que outrora porfiei, e que ora agrupo
em uma mão cheia, ora disperso como as cinzas
de uma alma falida que nenhuma lágrima lamentará.
Salto da jangada para um museu de partículas,
o rio flanqueia o olhar, o vale desnorteia.
Era uma vez um anjo que quis cair; mais tarde
lhe criticaram tamanha clarividência.

Sem comentários: