16.10.08

Em parafuso

Dás-me o fruto da noite tão maduro
embrulhado em papel não reciclado,
desenhos do teu rosto no percurso
até ao bar tornado biblioteca.
Calco cada metro descontente:
a vida é, em rigor, substância indigna,
sopro fétido, novelo sempre infindo,
à frente, em tosco pinho, a corda presa.
Fui educado, sabes, por mãe teimosa,
por isso em contraponto esbanjo o vento,
e os luares maníacos não me dão pêlos
e dentes, antes alento e romantismo,
alento e romantismo, se compreendes!

Tu amas tão-somente a consistência
das coisas, a casca dos arcanjos. E logo
hoje que perdi o coração, última loiça,
e levitei lençol adentro em espírito
pronto a entregar-me. Deste-me sal,
presumo, pelo sabor a canções repetidas,
mas bati palmas como a parva foca,
admito, implorando por favor mais peixe.
Só o número falhou. De olhos turvos
saltei da água passivo, o dorso, o brilho,
cetáceo ternurento, e lentamente
esmaguei o teu corpo no retrato
suspenso num instante de beleza.

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